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sexta-feira, 23 de agosto de 2019


VOZ


Veio pelas costas, tapou-lhe os olhos com as mãos e perguntou: quem é? Ele não reconheceu a voz e disse: não sei, quem é? Tens de acertar, disse-lhe a voz. Ele então começou a dizer nomes que lhe vinham à cabeça mas a resposta era sempre negativa. Estavam já há algum tempo naquilo quando ele disse: desisto. diz lá quem és? E a voz: tens de adivinhar. E ele: estou farto disto. Queria tirar as mãos da voz da frente dos olhos e não conseguia. Fazia toda a força que tinha para tirar aquelas mãos. E a voz: só quando acertares é que vais poder voltar a ver. Ele começava a desesperar. Debatia-se, suava muito, e as mãos sempre à frente dos olhos, sempre a deixá-lo na escuridão. Na realidade, não só não via, como também não conseguia sair do sítio. Chorava. Berrava: quem é que não me deixa ver nem andar? Implorava: deixa-me ver deixa-me sair daqui. Aos poucos foi-se conformando e já estava bem mais calmo quando finalmente disse: é a Morte. Mas tinha-se enganado outra vez.

 
 
 
 
Miguelsalgado, vidro duplo

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