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sexta-feira, 28 de julho de 2023


 XIII


Aquele passa inválido para sempre
como se tivesse sido lobotomizado por deus
do corredor C sai alguém para uma dor gigante
como o caixão de Robert Wadlow
daqui já ninguém vai para a terra dos Hiperbóreos
onde se vivia mais que um tubarão-da-gronelândia
dos predadores com espinhas que comem o juro
arrotar a Morte teimosa em Atahualpa
os golfinhos aterrorizados na baía infeliz em Taiji
este oceano é uma enorme garrafa de xarope de groselha
grunhidos de matadouro correm como bolas de snooker
cair num buraco com Endríaco no Santo Ofício
a esplanada é o garrote antes do fogo
Íblis segura a bandeja em forma de ampulheta
sai mais um torturado para o prato de Zeus
deixar o mamífero atolado no próprio excremento até ao fim
descemos o Vesúvio de mão dada com Plínio de mãos na cabeça
surpreendidos pela Morte às cotoveladas
os lóbulos às silvas pelo Stuka alarmista
Marx atingido por um Domovoi de ficar por casa
corpos como iogurte de pedaços
somos Dorian Gray a apodrecer em hipocondria
neste susto de Morte há Górgonas na fotografia Kirlian
um exército interminável de empedernidos
ficamos como os soldados em fila indiana para Shi Huangdi
atirados à mortandade num outro mundo como este
toma o veneno dos ratos Tchaikovsky
leva um tiro no córtex Métis
para a aula com leite mártir na mochila
a inocência sob um fundo negro de Caravaggio
foge com vontade de morrer
corre à frente dos robots Actéon
cai Gomorrense às balas de deus
para a Cruzada criança
para a Morte e a servidão
como potros selvagens retirados às mães.



Miguelsalgado, AQUERONTE

quarta-feira, 5 de julho de 2023


Sócrates:


A dose letal caiu aqui: chegou até aqui não sei como: veio até aqui não sei donde. Poderei ainda atirar este veneno para longe mesmo estando já em mim? Pergunto-me para que lado vou cair quando cair no último acto: cairei para lado algum? A quem estará destinada a infelicidade de lavar este morto detestado? Só sei é que nos últimos tempos só apanho as ondas sonoras dos presos. Questiono os deuses e não há respostas: ficam à distância, mais quietos que uma estátua de Fídias. Sou obrigado a desligar-me: uma vida sem a minha música é uma vida que não vale a pena ser vivida.



Miguelsalgado, AQUERONTE