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quarta-feira, 26 de abril de 2023

 Miguelsalgado - "AQUERONTE" (2023)




XI


Nelchael não diz nada
está mudo como Liv Ullmann em A máscara
a cara de Eurídice a pintar de preto o branco da passadeira
para o lugar onde Arcimboldo faz do nariz de Cleópatra uma áspide
cheiro a miocárdio com frio no alto dos Astecas
pelo verde luxuriante uma facada de Cortés na jugular
Syrinx a pedir boleia à ambulância mestiça
Apolo a esfolar vivo quem vive a música de pernas para o Elísio
desaparecemos com Pã por entre dentes chumbados e membros com gesso
com quadras de Augusto dos Anjos atiradas ao diafragma assombrado
a receita amorosa no Grande Alberto noutro aterro
Mussorgsky no robe resignado ao Hospital da Morte
noite claustrofóbica a acender Poveglia 
Müntzer desliza pelas mãos e pés nos pregos envelhecidos
luta presa em Valhala
Ragnarok nos leucócitos 
evaporação para lá do osso em Midgard
somos arqueólogos a cair pela maldição da múmia
o pó das contas bancárias esvaziadas num sorvo
como a garrafa de Poe
unhas na valeta onde despontam os crisântemos em Perséfone
auréolas e tudo pelo inferno adentro
abismos de porta larga como rectângulos de Rothko
a passear-se como um Urisco na cidade caída
poetas por Outono
a hora de Dumuzi reconhecer o mundo inferior.



(editora: artelogy)