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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Egito Gonçalves - "Entre mim e a minha morte há ainda um copo de crepúsculo" (2006)






Obra póstuma de Egito Gonçalves (1920-2000), com um ou outro texto incompleto, num livro mais do que Completo.


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CINEMA RIVOLI


Por dez tostões subíamos à galeria.
Do alto víamos as divas, aprendíamos
a beijar -- mal, é evidente: o código
Heyes lá estava para nos impedir
de estremecer a fundo. A Garbo punha
nas nossas namoradas olhares lânguidos.
As divas eram todas grandes damas,
nunca se despiam sob o olho guloso e,
mesmo na banheira,
apareciam sob uma espessa cortina
de espuma: a inveja dos que em casa
se lavavam com sabão azul. E havia
(coisa fina!) os que se masturbavam
com o olho nas pernas da Marlene. Lia-se
“O Cinéfilo”, a vida íntima das estrelas
ganhavam-se ideias para os bilhetinhos
que se passavam para as mãos das miúdas.
As aulas começavam à segunda-feira
com a briga dos adeptos
(ou já seriam fãs?) das duas “rivais”.
Depois a professora entrava, encavalitava
os óculos de aro metálico e dizia: Meninos,
hoje vamos dar... Ainda estávamos longe
da época Ava Gardner, da mítica Marilyn,
das pernas marlénicas da Cyd Charisse...
Longe das audácias dos anos noventa: mamas e
rabos, fuck explícito, palavrões a granel.
Cada geração inventa o seu reco-reco…





EGITO GONÇALVES, Entre mim e a minha morte há ainda um copo de crepúsculo





(Editora: Campo das letras)

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